A palavra Lésbica

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Muitas mulheres acham que a palavra "lésbica" soa mal, declarando-se
desconfortáveis com ela. De fato, o som "ésb" não é dos mais lindos, mas experimente dizer "zoológico" em voz alta. E que tal "umbigo"? "Analgésico"?
E o "Azerbaijão", vizinho do "Uzbequistão" e do "Tadjiquistão"?
A língua portuguesa tem mesmo alguns sons pouco poéticos, mas não é por isto que dizemos "parque dos animais", "botão no meio da barriga" ou ignoramos as repúblicas da antiga União Soviética, não é verdade? Usamos as palavras no dia a dia pela sua precisão de sentido e associação de imagens que provocam.
Nesses quesitos, a palavra lésbica é muito melhor do que as alternativas.

Veja por exemplo o termo "entendida". Ele tem a vantagem de ser brasileiro, criado por nossa cultura em lugar de traduzido de outra língua. Mas nasceu nos guetos das grandes cidades dos anos 70, quando ninguém ousava se definir abertamente e precisava de um código para se fazer "entender". Entendida em quê? Nos lugares recônditos onde as pessoas sem nome se reuniam, em secreta resistência à ditadura das idéias e dos costumes. É uma imagem de coragem – afinal, a ditadura existiu e perseguiu mesmo quem era diferente da norma – mas também lembra o subterfúgio, a preferência pelo esquivar-se a assumir uma identidade pública e natural.
Temos, claro, "sapatão", também abreviada para "sapa", usadíssimas. Mas dificilmente se poderiam chamar esses termos de elegantes, não é mesmo? No aspecto clareza também deixam a desejar. Sapatões somos todas ou só as franchas? As que gostam de salto alto e batom são o quê?
E "homossexual"? Termo híbrido do grego e do latim, foi inventado pelo
alemão Karoly Maria Kertnerby em carta a seu amigo Karl Heirich Ulrich, o pioneiro defensor dos "uranianos", em 1868. De início simpática aos homens que amavam homens, esta palavra foi apropriada pelos estudiosos da sexualidade humana do final do século XIX para denominar um estado doentio a ser corrigido pela psicologia. Apesar de hoje ser empregada pela comunidade científica de maneira em teoria isenta de preconceitos, na prática ainda carrega um ranço de "desvio" e "perversão" que precisamos combater sem trégua.
Tem ainda a desvantagem de referir-se tanto a homens quanto a mulheres, o que faz com que nós desapareçamos da maioria das falas em que é utilizada.
Você já reparou quantas vezes as pessoas dizem "homossexuais" pensando apenas em homens? E a quantidade de pesquisas sobre homossexualidade em que são estudados apenas homens? Foi por isto que as mulheres dos movimentos homossexuais do mundo inteiro passaram a insistir no uso da palavra lésbica para distinguir-nos dos homens e tornar-nos mais visíveis.
E "gay", que vem de "alegre" em inglês? Usada quase que só para homens mundo afora, exigindo que se explique "mulher gay" para uma de nós, tem a desvantagem de propiciar uma profusão de cacófanos em português, como
estética gay e política gay. Seu passado é também pouco glorioso, tendo surgido no século XVIII para descrever as mulheres "de vida fácil" da Inglaterra, e estendido-se aos cavalheiros "alegres" e efeminados que, na era vitoriana, freqüentavam os portos à cata de marinheiros retornando de longas viagens. O fato de ser hoje um termo positivo e de uso comum demonstra a força do ativismo homossexual, que conseguiu apagar sua conotação original e conferir-lhe dignidade.
Existem outras palavras associadas ao amor entre iguais, mas usá-las seria um convite à incompreensão. A infinidade de termos pejorativos, como "sodomita", "mulher-macho", "racha", que não só nos descrevem mal como têm uma forte carga negativa.
Mas qual o problema com "lésbica"? Parece que causa arrepios devido a uma outra expressão feia: a homofobia internalizada. "Homofobia" quer dizer horror a tudo o que é homossexual. Religiosos radicais e skin heads são grandes praticantes desta forma de intolerância, mas nós também costumamos senti-la, de forma mais sutil, contra nós próprias, daí o "internalizada".
Trata-se, aliás, de uma conseqüência natural da educação que recebemos, em que a conformidade é muito mais valorizada do que a expressão dos sentimentos verdadeiros.Somos criadas ouvindo horrores sobre "viados" e "sapatões", e levadas a crer que "lésbica" é um palavrão que não se diz em sociedade. Claro que ficamos então tímidas em nos descrevermos assim, sentindo mais que pensando a rejeição implícita de nossa família. Mas vamos utilizar agora a cabeça que a grande deusa nos deu e tentar abandonar o que não serve mais dos preconceitos de nosso passado.
A palavra "lésbica" deriva do nome da ilha de Lesbos, onde a poeta Safo teve sua escola, a única de que se tem registro na Antigüidade voltada para a educação de moças. Safo foi elogiada por Platão como a décima musa, sendo tida como a inventora da poesia romântica. Descreveu com lirismo sua atração sensual por mulheres e conquistou respeito e admiração na sociedade extremamente machista da Grécia do século V a.C.
"Lésbica" é portanto o termo referente à homossexualidade de origem mais antiga ainda em uso, sendo clássico, sem subterfúgios e preciso. Descreve apenas mulheres, não foi apropriado pela psicologia, e evoca a imagem de uma bela ilha grega onde uma mulher corajosa ensinou e dedicou poesias a outras mulheres.
Digo-me lésbica com orgulho. E você?


Outro texto emprestado.. mas valeu a pena.. mt bom

1 comentários:

Manu Gomes disse...

n sou lésbica...mas taí uma verdade...
pq o mundo tem q ser tao rude?
mas são essas pequenas coisas q fazem grandes causas!